MARCELA GODOY


Oct 19, 2008

O despreparo dos Comandos

São Paulo, 18 de Outubro de 2008.

Se é justo ao Governador José Serra imputar motivações políticas para o embate sangrento que tomou lugar às portas do Palácio dos Bandeirantes na noite de quarta-feira, fazendo enfrentar policiais civis e militares num episódio jamais visto pelos cidadãos a quem os mesmo policiais devem proteção e serviço; é justo a nós, cidadãos, acreditar que houve também motivações políticas no sentido de não apressar o desfecho, cumpre dizer, desastroso, do sequestro de mais de 100 horas ocorrido em Santo André, por meio da utilização de atiradores de elite.

Várias perguntas têm sido feitas no sentido de buscar uma explicação mais decente acerca da decisão, por parte do Comando da PM, de não usar os atiradores de elite. Uma outra, ainda não levantada, é em relação a por que o G.E.R. - Grupo Especial de Resgate, da Polícia Civil, um grupo conhecidamente preparado para enfrentar situações de crise como essa, não fora acionado. O fato é que a justificativa apresentada até o momento não convence. O Comando da PM fez uma escolha, e uma escolha errada. Escolheu poupar o sequestrador e deixar morrer o sequestrado.

O G1 publicou a entrevista coletiva dada pelo Coronel Eduardo Feliz de Oliveira, da PM, acerca da conduta do Comando da PM e GATE na resolução do caso. Vejam por vocês mesmos. O despreparo e a falta de coerência nas decisões; decisões estas que resultam na vida, ou na morte, de cidadãos que, por força de legitimidade, emprestam à força policial a faculdade de exercer, em seu lugar, a obrigação da tomada de decisão em situações de crise, extrema ou não, quando se apresentam.

No entanto, nós bem sabemos que o Comando do Governo do Estado, que está acima e é a quem se reportam dos Comandos da PM e Polícia Civil, não é lá muito dado a lidar com crises e situações extremas de maneira competente e eficiente. Este caso só engorda uma longa lista de fracassos da Segurança Pública de São Paulo (ou do PSDB) que vão desde fazer acordo com o PCC a não fazer acordo com os próprios policiais... Aliás, aí está uma observação interessante e intrigante!

No final, parece-nos, é sempre a imagem dos Comandos que está em jogo.

O 'frontline', soldados, capitães, agentes, investigadores, estes, policiais civis ou militares, que ficam na linha do tiro, que tem que portar o colete à prova de balas, que tem que descer de rapel pelas paredes, que tem que levar feridos de morte no colo, ou serem, eles próprios, os feridos de morte, estes, nas palavras do próprio governador, "são minoria". Permito-me indagar, em virtude do desdém com que o Governador fez esse comentário, se ele se referia a uma minoria quantitativamente ou qualitativamente falando... Ah, sim, porque decerto havia ali um grande contingente de policiais, dos dois lados!

Disse o Coronel na entrevista: "(...) É uma ocorrência, senhores, da pior gravidade, da pior, (é...é...) aspecto crítico em termos de ocorrência com refém. Ele envolve uma pessoa que tem um desequilíbrio. Pico e alternâncias de humor. Então, o que ele pedia em troca? Nada. Simplesmente que não se aproximassem senão ele iria adiantar o fim. Qual era o fim? Ele se matar e matar a Eloá."

Não sou especialista, nem policial, e concordo que as situações extremas exijam muita frieza e equilíbrio por parte de quem as está administrando. Em algum manual (desses, por aí, usados em treinamento de grupos táticos especiais) já se escreveu que "situações extremas exigem medidas extremas". Foi uma tragédia anunciada. "Qual era o fim? Ele se matar e matar a Eloá.", nas palavras do próprio Coronel. O Comando da PM na ocorrência tinha pleno conhecimento de qual seria o desfecho desse sequestro. Desfecho, este, que, infelizmente, confirmou-se. Era de sua inteira responsabilidade presumir este desfecho e assumir a conduta de não deixá-lo acontecer. É este o papel da polícia e é assim em qualquer polícia do Brasil e do mundo!

No entanto, ao ser perguntado sobre por que tal medida extrema (o famigerado "tiro de comprometimento", em outras palavras, abatimento do alvo) não fora tomada, disse o Coronel: "Nós poderíamos ter dado o tiro de comprometimento. mas era um garoto de 22 anos de idade, sem antecedentes criminais, numa crise amorosa. Se nós tivéssemos (...) atingido com o tiro de comprometimento o Lindemberg, fatalmente os senhores hoje estariam questionando o GATE por que que não negociaram mais? Por que que deram tiro de comprometimento num jovem de 22 anos de idade numa crise amorosa?"

Para mim, como cidadã e mãe, a resposta a essa pergunta é simples: porque havia dois revólveres com este jovem. Porque ele já havia disparado a esmo contra a polícia e os presentes ali. Mas, principalmente, Coronel, porque havia também duas jovens inocentes. E havia, desde o início, toda intensão de matá-las.

Não era uma decisão tão difícil assim... E, convenhamos, não teria sido uma decisão tão difícil de se levar a cabo! Exceto, é claro, pelo pequeno detalhe do delicado momento político, no que tange à Segurança Pública, que nosso Estado vem enfrentando...

Quem sabe se o Coronel da PM estivesse mais comprometido em servir ao Estado do que em servir ao Governador do Estado, o resultado houvesse sido outro... Quem sabe se a preocupação em acabar tudo de forma limpa, sem vítimas de nenhum dos lados, tivesse sido descartada logo de cara, o resultado houvesse sido outro... Quem sabe se o GATE dispusesse de recursos técnicos e tecnológicos mais adequados, treinamento, e AUTONOMIA, quem sabe, quem sabe, quem sabe...

O fato final é que o Comando da PM (pois os policiais presentes à ocorrência obedecem ordens expressas que jamais são descumpridas) não pode ser isentado de sua responsabilidade neste caso. E o Comando do Governo do Estado de São Paulo, na qualidade de órgão a quem se reporta o Comando das Polícias, DEVE se pronunciar. E deve se pronunciar com coerência, com decência, e acima de tudo, com coragem.

Se existe justificativa destes Comandos para a violência da PM contra a Polícia Civil, que usou de medidas extremas ao atirar contra Policiais Civis (os quais exerciam um direito constitucional pelo qual foram veemente repreendidos qual fossem, eles, bandidos e bandoleiros); cumpre fazer exigir destes mesmos Comandos uma justificativa plausível para o NÃO-USO destas mesmas medidas extremas contra um louco, um assassino em potencial, num caso que claramente as exigia.

Afinal, é nas mãos destes Comandos que está a nossa vida e o direito a ela.